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Não pode ter palavrão

Deputado federal quer transformar em crime letras de músicas com xingamentos

Um projeto de lei que tramita na Câmara Federal pretende "tipificar como crime qualquer estilo musical que contenha expressões pejorativas ou ofensivas", como músicas com palavrões, que mencionem uso ou tráfico de drogas e armas, críticas à polícia ou que estimulem pornografia, pedofilia e estupro. Se aprovada, a medida poderia afetar estilos musicais variados, cujas composições têm críticas sociais.

Autor do texto, o deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG) justifica sua iniciativa pelo fato de "haver um grande desrespeito à moral pública". Para ele, "a criminalização de estilos musicais nesse sentido seria uma forma de garantir a saúde mental das famílias e, principalmente, de crianças e adolescentes que ainda não têm o discernimento necessário".

O polêmico PL ainda está no início da tramitação, aguardando audiências públicas na Comissão de Cultura da Casa. Mas, para especialistas, o projeto é inconstitucional. "Pode até tramitar normalmente. Mas qualquer proposta de lei que fixe o que pode ser dito ou cantado é inconstitucional. A Constituição assegura ampla e plena liberdade de expressão", explica o advogado Walter Ceneviva, ex-conselheiro do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. "Mesmo que tivéssemos uma letra de música cheia de violações, com abuso da liberdade de expressão, só a Justiça poderia decidir sobre, através de uma análise do caso", completa.

Pedido de expulsão do PSL

Nas suas redes sociais, o deputado federal justificou que o objetivo "não é e nem se assemelha, de maneira alguma, a qualquer tipo de censura, e sim, pretende trazer para o plenário a discussão sobre a influência desses títulos musicais no comportamento de crianças e famílias, auxiliado pela participação de especialistas na área". A publicação teve só 89 curtidas e 41 comentários. Filiado ao PSL, já foi alvo de pedido de expulsão da legenda por ter contrariado orientação e ter concorrido como candidato avulso ao posto de segundo vice-presidente da Câmara.

Artistas comentam a proposta do político

Vocalista do Detonautas, o rockeiro Tico Santa Cruz acredita que esse tipo de pauta moral só tem a função de tirar o foco do que realmente importa no país. "Com tantos problemas, desemprego, economia, educação, saúde, o deputado está preocupado com estilos musicais? Sugiro que ele mude de profissão e vá ser crítico musical. Ele tem o direito de passar essa vergonha publicamente", rebate. "A cultura é criatividade e questionamento. A arte sempre

vence o ódio", acrescenta.

Já a funkeira MC Rebecca, dona dos hits 'Cai de boca' e 'Coça de Rebecca', classificou a proposta

como absurda. "Um projeto de lei não pode censurar o artista em seu processo criativo. Para

mim, a criminalização é voltar negativamente no tempo. É a mesma coisa que acontecia

com a capoeira, criminalizada na época da senzala. E o mesmo aconteceu com o samba,

no início do século 20 até pouco tempo", critica a carioca. "O funk é perseguido porque

expressa o desejo e a realidade de comunidades. Se alguém quer mudar o funk, vai mudar

como a sociedade do subúrbio se expressa", completa Rebecca.

Autor da canção 'Polícia', um dos clássicos da banda Titãs, que critica as ações policiais, o

cantor Tony Bellotto classificou a iniciativa do deputado Charlles Evangelista como "uma piada

de mau gosto". "É ridículo demais, porque fere a liberdade de expressão básica. Não acho que

esse projeto vá em frente, é uma completa maluquice. Esse país virou uma ditadura? Ou seria

uma distopia de terror?", criticou. O Titãs tem diversas outras canções com vocabulário que seria considerado impróprio pelo PL, inclusive a que diz "Todo mundo quer amor / Quem

tem pinto, saco, boca, bunda, c*, b**** quer amor".

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