O uniforme se mantém, mas os pés não estão mais descalços e a bermuda também é deixada no armário. De calça comprida e sapato, Luciano Felipe, de 46 anos,percorre as calçadas do Rio no lugar das areias quentes para entregar o açaí que ficou famoso durante 12 anos pegando no batente na Praia de Ipanema. Pelo interfone dos prédios, ele chama os clientes fiéis, que antes curtiam momentos de lazer sob o sol escaldante da cidade e agora cumprem as regras de isolamento social.
“Quando chego para fazer as entregas, as pessoas me recebem com alegria. E um foi contando para o outro que eu estava entregando em casa. Eu dependo da praia e vi a necessidade de fazer alguma coisa para me manter. Igual à praia não é. Mas está dando para eu me manter. No último verão, também choveu demais e não teremos as férias de julho.Então, as entregas devem continuar”,diz Luciano, contando que, na praia, é mais conhecido por Felipe.
Das areias, a saudade é grande: “A praia é um ambiente onde sou bem recebido, bem tratado. Muitos espera meu chegar para comprar comigo”.Nascido em Natal, ele veio para a Cidade Maravilhosa bem pequeno, aos 4 anos, e cresceu no Rio: “Eu me criei aqui no Rio. Fiz minha vida aqui”.Durante 20 anos,morou no Vidigal.Passou por vários empregos: em lanchonete — “Era o curinga,fazia de tudo” — em mercado como repositor, em oficina, foi office boy, trabalhou no Country Club...Sua ida para a praia aconteceu quando ele trabalhava numa lanchonete em Ipanema, de 6h às 15h. “Trabalhava perto da praia e via as pessoas vendendo. E sempre gostei de ter uma renda extra.Saía de lá e ia vender açaí na praia”, lembra. Nessa época, já morava em Senador Camará, onde vive até hoje.
A partir daí, resolveu largar o emprego com carteira assinada para trabalhar somente nas areias. E conta que formou sua clientela fixa na Praia de Ipanema como muita disciplina: “Eu passei a trabalhar com compromisso como se estivesse num emprego com carteira assinada”.