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Carnaval politicamente correto

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Valéria (camisa laranja) com as amigas na Saara: fantasia de índia
Valéria (camisa laranja) com as amigas na Saara: fantasia de índia -
Não é novidade que o Carnaval é uma festa que reúne todas as tribos e que as fantasias transmitem a descontração que só a celebração proporciona. Entretanto, nos últimos anos, movimentos em defesa dos povos indígenas, negros, mulheres e da população LGBTQ+ começaram a alertar os foliões sobre os trajes que já não abrilhantam mais a festa. A repercussão do assunto fez a prefeitura de Belo Horizonte, em Minas Gerais, publicar no Diário Oficial da última quinta-feira, uma cartilha com orientações aos foliões para combater atitudes preconceituosas durante a folia.

O documento aconselha que não se use trajes e acessórios que possam ferir a dignidade de grupos e povos, como ‘Nega Maluca’, indígenas, ciganos, entre outros. Nas ruas do polo comercial Saara, no Centro do Rio, no entanto, o que vale é a intenção. Apesar de poucas perucas ‘Black Power’ comercializadas, os cocares tomam as prateleiras e as lantejoulas de cigana são os acessórios mais procurados na hora de montar o figurino.

“Eu acho besteira não poder usar, o cocar é tão bonito, tão colorido. Vou usar na festa de Carnaval com minhas amigas, mas não é para ofender, vou homenagear uma cultura tão bonita”, disse a aposentada Valéria Coelho, de 54 anos.

A professora de teatro Gisele Garcia, 37, optou pela fantasia de girassol, mas não acredita que usar roupas ou ornamentos de uma determinada cultura possam representar racismo. “Não vejo preconceito, as pessoas que se vestem como outros povos não estão ali para ofender ninguém, não é a intenção do Carnaval. É tudo uma grande brincadeira, não vejo maldade.”

De acordo com o sociólogo e mestre em Ciências Socias, Rhuan Fernandes, o uso de fantasias que representam grupos étnicos reforçam estereótipos e ferem diretamente essas populações. “Essas fantasias podem contribuir para a consolidação de estereótipos. Elas não seriam problemáticas se não representassem algo negativo e não afetassem essas populações. É o uso dissimulado de um estereótipo que congela o lugar desses povos no imaginário social brasileiro.”

Para quem quer pular o Carnaval sem preocupações, a funcionária da loja Super Festas, Érica Priscila, dá dicas das apostas para a festa. “Os cocares saem muito, mas o que é bem legal e tem saído bastante, também, são os arcos de sereia, de pena e de sol. As pessoas também levam muito chapéu de pirata, de marinheiro. Tem fantasia para todos os gostos e para todo mundo brincar sem estresse”, afirmou.

No último fim de semana, a fantasia da atriz Alessandra Negrini dividiu opiniões nas redes sociais. Rainha do bloco Baixo Augusta, em São Paulo, a artista desfilou com um cocar e pinturas indígenas pelo corpo. “A luta indígena é de todos nós e, por isso, tive a ousadia de me vestir assim”, disse Negrini. Internautas acusaram a atriz de apropriação cultural e outros ressaltaram sua coragem. Desfilando ao seu lado, a líder indígena Sônia Guajajara criticou o uso do acessório como fantasia, mas apoiou a artista por dar visibilidade ao grupo.

“O Carnaval é dinâmico, a sociedade muda e é óbvio que o Carnaval muda. É necessário ter ponderação, não cabe usar black face, porque é fruto do racismo estrutural, não cabe uma fantasia homofóbica ou misógina. O debate é saudável, é interessante, mostra que existem pautas da sociedade que são importantes, mas a gente não vai resolver isso com a cultura do cancelamento”, disse o historiador Luiz Antônio Simas.

Para o presidente do Bloco das Piranhas de Araruama, no interior do estado, Eduardo Valladares, o desfile de homens vestidos de mulher e vice-versa não estimula práticas misóginas ou homofóbicas. “Carnaval é descontração, brincadeira, alegria. Nosso bloco desfila há 40 anos, frequentado por homens e mulheres, idosos e crianças. Aqui, costumamos brincar que o nosso bloco é das piranhas de família, pois tem que haver respeito acima de tudo”, afirmou Valladares.

*estagiária sob a supervisão de