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O drama é feminino

Estudo revela que o acesso a água e esgoto tiraria imediatamente 635 mil mulheres da pobreza, a maior parte delas negras e jovens

Maiara Silva com um dos cinco filhos: preocupação com valões a céu aberto, em Meriti
Maiara Silva com um dos cinco filhos: preocupação com valões a céu aberto, em Meriti -

A falta de saneamento básico compromete a vida da população. O impacto, porém, é ainda maior para a mulher negra e pobre. Essa é uma das conclusões do estudo inédito 'O saneamento e a vida da mulher brasileira', do Instituto Trata Brasil, em parceria com a BRK Ambiental. O levantamento, lançado no início do ano, revelou que o acesso a água e esgoto tiraria, imediatamente, 635 mil mulheres da pobreza, a maior parte negras e jovens. De acordo com a pesquisa, há no país 27 milhões de mulheres — uma em cada quatro, do total de 104,772 milhões — que não têm acesso adequado à infraestrutura sanitária. O saneamento é variável determinante em saúde, educação, renda e bem-estar.

Moradora do bairro Grande Rio, em São João de Meriti, na Baixada, município que, de acordo com o estudo, tem 0% de esgoto tratado, Maiara Souza, de 31 anos, vive com os cinco filhos na mesma rua onde há um valão com esgoto a céu aberto. Ela diz que, além do cheiro ruim, o local atrai ratos e baratas para casas vizinhas. "Fico preocupada com os meus filhos brincando na rua. Os meninos caem no valão quando jogam bola", lamentou.

A aposentada Cleonice Mota, 66 anos, mora na mesma rua de Maiara. Ela lembrou que, em dias de chuva, o esgoto transborda e até os cachorros caem no valão: "As pessoas de outros lugares jogam lixo e animais mortos lá. Gostaria de me mudar".

Segundo o economista Fernando Garcia de Freitas, responsável pelo levantamento, as mulheres sofrem mais com a falta de saneamento do que os homens. Ele lembra que doenças como diarreias, vômitos, leptospirose e dengue são transmitidas por ausência de água tratada e esgoto coletado. A pesquisa mostrou que, em 2016, as internações no SUS, em razão de diarreia ou vômito, entre mulheres, foram 1.970 no estado do Rio, sendo 903 na região metropolitana. Já o número de óbitos deviso aos problemas somou 17 no estado, sete na região metropolitana no mesmo período. Segundo Freitas, a incidência é maior entre as mulheres porque elas estão mais expostas. "Ficam mais tempo em casa. Se há esgoto a céu aberto ao lado da residência, ela está mais suscetível".

Os piores no quesito saneamento

O Instituto Trata Brasil preparou outro estudo, divulgado esta semana, em que avaliou as cem maiores cidades do país. Nele, cinco municípios da Baixada estão entre os piores na qualidade dos serviços de água e esgoto: Nova Iguaçu (82º), São João de Meriti (89º), Duque de Caxias (91º), São Gonçalo (92º) e Belford Roxo (95º).

Na lista do saneamento básico nacional, Niterói foi a única cidade do Estado entre as dez mais bem posicionadas. Já entre as dez piores, no volume de esgoto tratado, estão Belford Roxo, com 4,52%; Nova Iguaçu, com 0,15%; e São João de Meriti, com 0%.

"Fazemos o ranking há dez anos. Melhorou muito pouco. O levantamento mostra que os alertas do instituto não foram suficientes para melhorar o saneamento da Baixada. Esse esgoto vai para a Baía de Guanabara", lamentou o presidente-executivo do órgão, Édison Carlos.

Capital do Rio está em 51º lugar

A capital está em 51º lugar no ranking de saneamento do instituto. A Cedae administra a maior parte dos serviços. A água tratada chega para 99,16% dos cariocas e o esgoto a 46%. A Cedae informou que investe para aumentar o atendimento: "Somente para a Baixada e o Novo Guandu são R$ 3,4 bilhões com obras em andamento, alguns sistemas concluídos e em operação. Na cidade do Rio, apenas para a área da Barra, Cidade de Deus e Jacarepaguá, estão previstas 41 obras de esgotamento sanitário".

A Prefeitura de Belford Roxo divulgou que fez investimentos de infraestrutura. A de São Gonçalo afirma que até julho de 2019, foram produzidos 52.800 metros de manilhas na cidade. A de Nova Iguaçu explica que a 82ª posição não condiz com a realidade: "Atualmente, Nova Iguaçu possui nove Estações de Tratamento de Esgoto e trata 15% do esgoto doméstico". Já a de Caxias diz que vem se esforçando para levar dignidade à população com obras de drenagem e pavimentação nos quatro distritos.

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