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Favela também tem coração: A Voz da Vila Kennedy

No colunista convidado da semana, Vander King, comunicador da Vila Kennedy, comenta sobre os estereótipos que reduzem as favelas e seus moradores

Vander King fala sobre a VK
Vander King fala sobre a VK -
Pesquisa aí agora "Vila Kennedy" no Google. Infelizmente essa pesquisa trará na esmagadora maioria dos resultados apenas informações sobre tiroteios, violência, guerras, sangue, abandono. Bala perdida. Não que seja uma mentira. É uma triste realidade de fato. Uma realidade tão cruel que às vezes fica parecendo ser a única verdade sufocando tantas outras positivas facetas dessa comunidade.

Dia desses assisti a uma palestra no Youtube da Chimamanda Adichie, eminente escritora nigeriana, em que ela falava sobre "O perigo da história única". A história única cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história.
Dizer que a comunidade é violenta — apenas — é uma parte incompleta desta história. Aqui, como em tantas outras favelas, apesar dos seus problemas, também temos coisas boas, pô. É que nem sempre a notícia boa sai na mídia...

A Voz da Vila Kennedy é um jornal comunitário que tem como missão fazer reverberar o #LadoBomDaVK.
Jogar luz nas histórias inspiradoras. Tornar públicas as ações positivas dos moradores de bem, que mesmo em meio ao caos, promovem a esperança, dão bons exemplos, realizam ações beneficentes e impactam positivamente o lugar.
Contamos histórias que dêem conta de ajudar a reescrever a narrativa apenas negativa sobre o território.
Comecei a colaborar no jornal por puro acaso. Sempre escrevi desde que era muleque, mas era um universo muito particurlar. Só meu. Nunca compartilhava com ninguém. Até que uma vez eu estava indo cortar o cabelo na Luciana lá da CIRP e no caminho, perto da rua do valão, me deparo com uma cena inusitada: um menino na calçada em frente a sua casa, atrás de uns caixotes de madeira empilhados. Sobre eles uma jarra de suco de uva e uma plaquinha escrito "0,50 centavos". Bem ao estilo daqueles filmes americanos em que as crianças vendem limonada pra pagar a gincana da escola. Marquinhos, o menino, queria fazer um curso. A ideia do empreendimento, que ele viu em um desenho, era pra pagar a mensalidade. Um comunicador e empreendedor nato que me ensinou sábias lições em um bate-papo de 15 minutos enquanto tomava meu suco. Escrevi sobre o episódio em meu facebook e a história viralizou inspirando e comovendo muitas pessoas de dentro e fora da comunidade. Então o WG, o fundador do jornal, me fez o convite para escrever sobre as histórias positivas da VK na Voz da Vila Kennedy.

Barbara Bárros, uma outra jovem sonhadora. Apaixonada por línguas, autoditada, aprendeu sozinha a falar inglês e espanhol e já tava metendo uns francês a menó, monamour. Ela brinca. Ano passado, depois de passar por uma banca internacional pesadíssima, foi selecionada para fazer um curso de verão no Japão. Ganhou uma bolsa mas precisava do dinheiro pra custeio da passagem e documentação. Tive a oportunidade de entrevistá-la. Após sua história de superação ser contada na Voz da Vila Kennedy a comunidade se mobilizou pra ajudá-la numa vakinha. Com a projeção, canais de televisão reverberaram a história e ela conseguiu realizar o seu sonho arrecadando os vinte mil reais que precisava pra viagem e estadia na Terra do Sol Nascente.

Estar a serviço da minha comunidade através da escrita ajudando a fazer disseminar as boas histórias daqui não tem preço. Tem é muito valor para mim. E amor também.

Sonho com um dia você poder entrar no Google e se deparar com centenas de histórias inspiradoras da favela, a despeito de tantas outras lamentáveis. 
A favela é um celeiro de sonhos e talentos. Na arte, no cinema, nos negócios, na poesia, na arquitetura, ciências, esportes, na advocacia. São pessoas que carregam no peito suas histórias nobres e anseios legítimos; e que podem e devem ter suas vozes ouvidas e reverberadas.  As favelas tem também a suas poesias e singelezas para além da realidade cruel na qual estão imersas. Favela não tem só polícia, crime, droga, arma, não. Favela também tem coração.
*O texto é de responsabilidade do autor

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